domingo, 6 de junho de 2010

Pastilha de menta “buena” e “hermosa”

Um bom vendedor precisa basicamente de duas coisas para ter sucesso: conhecimento e criatividade. Conhecer bem o produto/serviço que está oferecendo a ponto de transmitir confiança e segurança necessária para o cliente é um dos requisitos importantes nesta área. Também saber o que o cliente precisa de antemão e destacar os benefícios do produto/serviço oferecidos a ele, não focando no produto/serviço em si, mas dando ao cliente o que ele terá de vantagens com aquela aquisição. Por fim, saber como cativar o cliente, ser simpático e antencioso para promover um clima descontraído pode fazer toda a diferença. É nessa hora que entra a criatividade, são as estratégias de venda.

Muitas pessoas se destacam na arte de vender não só por sua visão de mercado, mas por suas estratégias diferenciadas. Por exemplo, como é que você acha que Sílvio Santos, o empresário de televisão, se transformou no “homem do báu da felicidade”. O apelido já diz tudo: o homem não vende carnês, eletrodomésticos ou um minuto de fama no complexo televisivo do SBT, ele vende “felicidade”. E isso todo mundo quer, mesmo que seja preciso investir algum dinheiro.

No filme “O Contador de Histórias” (2009), do diretor Luiz Villaça, há uma passagem que mostra a personagem Margherit e o menino Roberto, numa praça onde um aglomerado de gente assiste a um homem vendendo uma caneta que, segundo ele, é a que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea. O homem fascina os dois personagens e os demais expectadores com o seu jeito inusitado de contar estórias para justificar a venda da “única” caneta que herdara de sua mãe que está doente. Margherit encantada com a estória decide comprar uma e, quando o homem se volta para pegar o troco, o menino vê que ele tem várias dessas canetas e tenta adverti-la quanto à possibilidade de ela estar sendo enganada. Margherit, então, diz a Roberto que fez a compra não porque o homem vendia a caneta, mas porque vendia a estória. Dessa maneira, o vendedor proporcionava aos transeuntes um momento de felicidade, preenchendo um pouco o vazio em suas vidas. Uma boa estratégia, não acha?

Alguns dos melhores vendedores fazem dos produtos ou serviços que oferecem uma espécie de brinde, por assim dizer. O que realmente se vende não são canetas, carnês, livros, perfumes ou doces, vende-se criatividade, uma maneira inovadora de convencer o cliente, uma imagem, fazendo-o se identificar com a “ideia” por trás do produto/serviço. Com efeito, é possível encontrar em todos os ramos vendedores e suas estratégias de venda nada convencionais.

Dificilmente há quem ainda não tenha pegado um “buzú” em Salvador que já não tenha se deparado com os inúmeros vendedores de balas e doces de toda sorte, formalizados ou não, pedintes e prestadores de serviços que aparecem nos coletivos diariamente.

Certa feita, surgiram no coletivo dois repentistas. Eram irmãos gêmeos, um tocava flauta. Inicialmente o flautista brindou os passageiros com “Jesus, Alegria dos Homens” de Johann Sebastian Bach, dentre outras composições, incluindo canções nordestinas. Quando foi a vez do repente, deram um show. Recitaram vários versos sobre vários temas. O coletivo não estava cheio, havia cadeiras vazias, mas todos aplaudiram. Todos. Até eu que não sou dado a essas “distrações” e contribuições em dinheiro, especialmente em coletivos, me rendi ao talento dos “filhos do sertão”, como se intitulavam. Afinal, me proporcianaram naquela viagem um bom momento de entretenimento. Venderam bem.

Por outro lado, há vendedores que erram na mão, exageram na dose ou simplesmente não têm jeito para a coisa mesmo. Alguns não têm noção de onde termina a criatividade e começa o ridículo.

O mais recente episódio, ocorreu na última sexta-feira. Eu estava num ônibus, lendo um livro cujas páginas tomavam toda a minha atenção. De repente, ouvi uma voz com um forte sotaque espanhól, anunciando umas pastilhas. Até aí, tudo bem. Continuei lendo o meu livro. Quando o homem começou a cantarolar “Besame mucho” destacando as tais pastilhas, minha concentração foi pro espaço. Dá uma olhada nessa figura: o vendedor gringo usava calça e sapatos pretos, uma camisa vermelha, um lenço também vermelho à la Bel Marques e tinha um cavanhaque pintado no rosto – o gringo era fake. O ponto alto desse espetáculo risível foi a versão do “rebolation” acompanhada por uma dancinha sem graça, com sotaque “portunhól” – misturado com baianês ainda por cima!

O refrão era assim.: “É de menta, tá, tá / É de menta... / É de menta, tá, tá / É de menta... Pastilha de menta ‘buena’ / Pastilha de menta ‘buena’, ‘buena’. / Pastilha de menta ‘buena’ / Pastilha de menta ‘buena’, ‘buena’.”

Como se já não bastasse, ele ainda completava: “Compre la pastilha! É muy buena, muy hermosa (“hermosa”??), buena para boca, muy buena para a garganta. Usted pode comprar para su hijo, su hija, para namorado, namorada. É muy buena, muy gostosa, muy hermosa (de novo?)...”

Esses vendedores e suas estratégias... Preciso dizer mais alguma coisa?

2 comentários:

  1. Perfeita a explanação,realmente me transportei a um coletivo e as engraçadas figuras que nele transitam,é um dom e tem seu tempo certo;como num espetáculo humoristico!,se carregar muito no tom,acaba estragando o espetáculo.
    Os vendedores felizardos tem em suas mãos a ser vendido"a possibilidade" e os diversos objetos vendidos são objetos cênicos,apenas ilustrativos; O ponto culminante da cena é encontro do "vendedor de ilusões" com os desejos e anceios contidos pelo individuo,que vê a chance de se oportunizar através de um objeto real,muitas vezes mascarando seu real objetivo prazer,felicidade, etc...

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  2. Obrigado, Ana. Essa sensação que você teve era a que eu queria justamente causar: a se sensaçaõ de quem lê se imaginar lá claramente, visualizando todos os detalhes. Fico feliz por ter alcançado o meu objetido enquanto escritor deste texto. Isso certamente me motivou a continuar me exercitando.

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