sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A imagem de 2010

Eu tive um professor de Filosofia na faculdade que dava nós na minha cabeça e na cabeça da turma também. Eram aulas interessantíssimas - pelo menos, para mim - porque eram daquelas em que se questionava todos os conceitos, as ideias formadas e enraízadas, as "verdades" que engolimos no dia-a-dia.

Uma aula que eu jamais esquecerei foi sobre "liberdade". Me lembro que ele havia começado a aula perguntando o que nós entendíamos sobre liberdade e o que significava ser livre. Cada resposta dada com convicção pelos alunos era totalmente desconstruída pelo professor. Ficávamos, "sem-graça", perplexos com suas argumentações e como elas faziam sentido, como ele tinha realmente razão. E foi assim, em uma dessas intrigantes aulas, que ele me fez pensar sobre como era "errado" criticar a cultura do outro, tendo como critérios os valores de nossa própria cultura.

Ele dizia que quando as pessoas fazem julgamentos, críticas a outros modos, costumes, hábitos, rituais etc., elas estão impondo, de certa maneira, a sua visão de mundo por considerarem sua cultura superior às outras. Para ilustrar essa afirmação, pegaremos de exemplo gêneros musicais como o arrocha, o pagode, o funk etc. Esses gêneros são geralmente relacionados com a ideia de "falta de cultura". É muito comum se ouvir dizer que essas músicas "não têm letra". Ora, letra tem. Isso é fato! O problema é que, por causa de uma visão etnocêntrica de uma parcela privilegiada por uma situação sócioeconômica elevada e que, por isso, impõe certos padrões de comportamento, de linguagem, de arte etc., em detrimento de outras formas de manifestação cultural reforçados pelos meios de comunicação, os valores, costumes e as formas de expressão dos que são diferentes desse modelo são vistas como não sendo cultura.

Cada povo tem seus costumes próprios e suas regras próprias, sua forma de entender e explicar o mundo. Para o povo do país X, aquilo que é "certo", pode ser considerado "errado" para o povo Y e vice-versa.

Por outro lado, contrariando este princípio antropológico e tecendo um comentário que pode seguramente ser considerado uma visão etnocentrista, haja visto que o que foi exposto, no mundo do século XXI, ainda marcado por contrastes absurdos, acredito que é inconcebível que a mulher seja tratada de forma cruel, assim como as crianças e os velhos - falar do tratamento dados aos velhos é um outro assunto delicado a discorrer em outra oportunidade!

Sendo assim, a predominância de uma cultura machista velha e desgastada, que coloca o homem como centro de tudo e na qual a figura da mulher não possui representatividade nenhuma é uma situação comum na maioria das sociedades conhecidas, mais e menos desenvolvidas em nossos dias. As mulheres são, por assim dizer, tratadas como lixo, obrigadas, em determinados casos, a se submeter a punições físicas severas por "transgredirem" leis que privilegiam somente os falocratas. São condenadas a abrir mão de sua feminilidade, daquilo que as tornam mulheres: a fonte do seu prazer e sua beleza. Para povo que cultua estes hábitos, é tudo lícito, comum. Para alguns, cuja cultura ainda está aprendendo a respeitar a mulher e descobrir o seu potencial, seu espaço, tais atos são de extremo repúdio.

No ano de 2010, uma foto tirada por uma fotógrafa sul-africana, ao mesmo tempo chocante e bela, foi escolhida dentre mais de 108 mil imagens. Ela mostra o retrato da jovem afegã, Bibi Aisha, 18 anos, cujo nariz e orelhas foram cortadas. Seu crime: não seguir as ordens do marido.

O retrato do belo rosto da jovem contrastando com as marcas da ignorância de uma sociedade machista e violenta estampou a capa da revista Times de agosto de 2010. A foto rendeu à fotógrafa o prêmio World Press Photo desse mesmo ano. Ela foi resgatada por soldados americanos e vive hoje nos EUA*.

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*Foto e informações obtidas no endereço:

4 comentários:

  1. Resultado de leis falocráticas.
    "E, assim, caminha a humanidade"...

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  2. Parabéns pelo texto, fiquei muito envolvida com a leitura.E estou também encantada pela referência feita por vc do seu professor de filosofia, acredito que vc teve muita sorte, e pelo que percebi,esse mestre fazia mais do que a sua função, ele mostrava e direcionava a todos vocês a refletirem sobre os temas, direcionava o aprendizado e o que é mais interessante ele passava o ensinamento sobre o que é preconceito cultural sem nem tocar nessa palavra.Um forte abraço para vc.

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