segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Estórias de Buzú: "Ô motô, abre aê!"

Às vezes, testemunhamos ou protagonizamos situações inusitadas, estranhas, às vezes hilárias. Como postei anteriormente, os dois repentistas e o baleiro gringo são dois exemplos do dia-a-dia em Salvador. Não sei o que pensam sobre isso, mas em Salvador, no buzú, acontece é coisa. Parecem tão comuns e corriqueiras que a gente nem se dá conta. Vou postar aqui algumas dessas situações somente relacionadas com buzú.


Ô motô, abre !

Tinha pegado um buzú com destino ao Centro. Não estava tão cheio, mas mesmo assim, preferi sentar no fundo, lado direito, na cadeira que ficava bem perto da porta traseira, separada pelo vidro. O curral - espaço entre o torniquete ou catraca e a porta de entrada de passageiros - separava a cadeira do cobrador e o local onde eu havia me acomodado. O ônibus seguia seu trajeto normalmente, parando nos pontos, descendo passageiros e pegando outros. O dia estava perfeito, o clima era bom, ensolarado. Eu estava tranquilo, curtindo a vista da orla e observava a movimentação de pessoas no entra-e-sai do coletivo. Vestia uma camiseta Polo preta, calça jeans e sapatos Kildare marrons. Não eram tão confortáveis quanto um tênis, mas eu gostava de usá-los. Estava indo dar uma volta na cidade.

Sou cinestésico e costumo me movimentar muito, mesmo quando sentado. Geralmente, movimento as mãos e os pés. De vez em quando, eu apoiava meus pés entre o espaço que existia entre o assoalho e a parte inferior da proteção de vidro que separa o acesso à catraca dos assentos no fundo do ônibus. Ficava cutucando o canto da proteção, perto da porta com o bico do sapato com o pé direito. E assim, ia passando o tempo da viagem. Tirava e colocava de volta o pé. A porta abria e fechava a cada parada nos pontos e eu lá, cutucando a porta. A porta abriu mais uma vez. De repente, me distraí e a porta fechou, prendendo o bico do meu sapato. “Tudo bem”, pensei. “Quando a porta abrir, eu retiro o pé!”.

O buzú seguia seu trajeto. O tempo ia passando e a pressão que a porta exercia no bico do sapato ia aumentando. Comecei a me sentir incomodado, mas eu sabia que a porta iria se abrir logo. A pressão sobre os meus dedos foi ficando maior. Sentia o dedão começar a doer. Meu semblante já mudara de um ar tranquilo para um ar preocupado. Foi virtualmente o período mais longo entre um abrir e fechar de portas de todos os tempos dentro daquele coletivo. Eu olhava para o bico do sapato espremido, cujas laterais do emborrachado já haviam deformado. Não aguentei mais. Me dirigi ao cobrador. “Cobrador!”, chamei falando meio baixo. “Dá pra você pedir para o motorista abrir a porta traseira?”. O cobrador usando óculos escuros, manga do uniforme arregaçada, exibindo o braço e uma toalha em volta do pescoço, fez: “Hã?”. Eu repeti: “Tem como você pedir ao motorista para abrir a porta traseira?”. Nesse momento, eu me toquei que o fundo do ônibus não estava vazio e que a cadeira ao lado da minha estava também ocupada. “O que foi?”, pergunta o cobrador. “Rapaz, você pode pedir para o motorista abrir a porta traseira? Meu pé prendeu aqui.”. O cobrador, inclinado para visualizar o que estava acontecendo, virou-se e gritou do fundo do ônibus para o motorista: “Ô motô, abre que o maluco aqui prendeu o pé!”.

Nem olhei para os lados, mas da maneira que ele gritou, qualquer um riria. Logo depois, meu ponto chegou. Levantei e desci, olhando para o sapato cortado nos lados, tentando me convencer que aquilo não havia acontecido de verdade.

2 comentários:

  1. Essa eh engraçada Vi... imaginando o homem sério que vc eh passando por uma dessa... Hilariante!!! Queria ver sua cara...rsrsrsrs

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  2. dedos doloridos,sapato cortado, um pé preso numa porta... fatos corriqueiros numa rotina de um "buzú"; fato culminante e diferencial dessa estoria? a disparidade certamente dos personagens! de um lado uma pessoa totalmente contida em nome da discrição e do outro uma rudez quase que inocente p/rotina do seu trabalho.., e assim cenas pitorescas e hilárias vão ocorrendo no nosso dia á dia tendo como base as diversidades comportamentais de cada um!

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